segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Ao mestre, com carinho!



Por algum motivo, resolvi listar meus ídolos. É, como eu disse no post inicial desse troço, isso é também um processo de auto-tratamento psicológico. Tem um pouco a ver com a macheza gaudéria, admitir que há gente boa e que se quer ser igual a eles é um tanto frustrante. Aliás, se há uma vantagem nessa coisa – estúpida – de ser gaúcho é que se pode culpar a tradição por quantas idiotices haja na cachola. E assim, viva o Vinte de Setembro, precursor da liberdade.

E isso me faz pensar em outra coisa: Baita cretinice esta nossa coisa de honrar mais o Vinte do que o Sete de setembro. Vergonhosa, se eu fosse presidente decretava uma intervenção federal e acabava com esta baixeza. Somos brasileiros, tchê! Pra quem não sabe, perdemos a Revolução Farroupilha, que, ademais, era apenas uma outra guerrinha em defesa dos interesses comerciais de um bando de estancieiros oligárquicos.

Tá, eu sei que este não era o assunto do post, mas é que eu gosto de comprar brigas inúteis isso nos leva diretamente ao primeiro da lista dos maiorais, Darcy Ribeiro. Lembram de 64, golpe militar, ditadura, aquela papagaiada toda? Darcysinho era Chefe de Gabinete de João Goulart, e quando soube que um generaleco tinha armado o circo em Minas Gerais, ofereceu a sugestão mais inteligente que a política brasileira teve desde o surgimento: bombardear todo mundo e mostrar quem manda nesta joça. Janguim não quis, parará pipipi (aliás, essa é uma das duas coisas que nunca entendi na história; a outra é porque Hitler, que resolveu implicar com todo mundo, pegou no pé logo dos judeus?) e então Darcysinho ofereceu sub metralhadoras pro pessol do PCB – ou seria do PC do B? – dar um jeitinho nas coisas em Brasília. Mestre!

Ok, ok, já ouço o coro dos pacifistas. Violência só gera violência e o diaboaquatro. Mas não tenho como não admirar um cara que expressamente admitiu que, desde piá, estudava pra pegá mulé, criou os CIEPs – não, não foi idéia do Collares – e fugiu do hospital onde tratava um câncer pra terminar de escrever O povo brasileiro, a bíblia nacional. Ninguém é brasileiro o suficiente antes de ler O povo brasileiro. No meio de tanta bobagem e pirotecnia teórica, Darcy Ribeiro tem a capacidade de fazer as perguntas certas:

“... por que uma nação tão populosa – a maior de todas as latinas e a segunda do Ocidente – e das mais ricas em recursos naturais, permanece subdesenvolvida e só é capaz de promover uma prosperidade de minorias, não generalizável ao grosso da população?”

Já li Sartre, Camus e todos aqueles existencialistas xaropes, mas esse livro mudou a minha vida. Redefiniu até meu estilo de escrita, desde Darcy “faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um fundo patriotismo”. Uma palhinha para os senhores:


Somos, pois, inelutavelmente, uma criatura mais da civilização ocidental, condenada a expressar-se dentro dos seus quadros culturais. Uma romanidade tardia, tropical e mestiça. Uma nova Roma, melhor, porque racialmente lavada em sangue índio, em sangue negro. Culturalmente plasmada pela fusão do saber e das emoções de nossas três matrizes; iluminada pela experiência milenar dos índios para a vida no trópico, espiritualizada pelo senso musical e pela religiosidade do negro. Deste caldeamento carnal e espiritual, surgimos nós, os brasileiros.

Somos, apesar de toda essa romanidade, um povo novo, vale dizer um gênero singular de gente marcada por nossas matrizes, mas diferente de todas, sem caminho de retorno a qualquer delas. Esta singularidade nos condena a nos inventarmos a nós mesmos, uma vez que já não somos indígenas, nem transplantes ultramarinos de Portugal ou da África.

Somos os portadores da destinação que, forçados pela história, nossos pais se deram, a seu gosto ou a seu pesar, de plasmar este novo gênero humano, o brasileiro; com vocação mais humana, porque feito de mais humanidades e porque engendrado de forma mais sofrida. Um povo em que ninguém está enfastiado, nem tedioso; o que todos aspiram é fartura e alegria.

Somos os herdeiros de uma imensa, imensamente bela, imensamente rica, província da Terra que, lamentavelmente, mais temos malgastado que fecundado. Tamanho foi o desgaste que, hoje, tarefa maior é salvar toda a beleza prodigiosa da natureza que conseguiu sobreviver à nossa ação predatória. É fixar as diretrizes para uma convivência melhor com as terras, as matas, os campos, as águas e toda a diversidade quase infinita de formas de vida que nelas ainda vicejam.

Escreveu, ainda, uma penca de romances, ensaios, obras de Antropologia, Etnologia e Educação.

No discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, no tempo em que ela ainda era séria, deixou averbado:

Estou certo de que alguém, neste resto de século, falará de mim, lendo uma página, página e meia. Os seguintes menos e menos. Só espero que nenhum falte ao sacro dever de enunciar meu nome. Nisto consistirá minha imortalidade.

Ao luminar da cultura brasileira, meus sinceros encômios.

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